Porém, ultimamente, tenho-me deparado com uma perspectiva um
pouco diferente dessa. O facto de ter voltado não tem de significar um passo
atrás, mas sim apenas a segunda parte do processo de mudança que se iniciou há (um
pouco mais de) um ano. Que a evolução é contínua, que as descobertas e as
aprendizagens continuam a ser constantes, que a cada dia que passa desperto
mais e melhor, que estou mais focada e mais consciencializada do que me rodeia, e tenho mais a
certeza do que quero, e do que tenho de fazer para obtê-lo, e os meus
horizontes se abrem cada vez mais.
Sinto-me em plena fase de transformação, mas sobretudo,
sinto que a minha vida precisa de mudanças ainda maiores. Sinto esta urgência
em mudar, em ir mais longe, em fazer melhor, em perseguir o que me faz feliz,
ou o que agora acho que me irá fazer mais feliz (e mesmo se não fizer, com o
tempo irei descobrir). Tenho esta vontade imensa de continuar, uma aversão
horrorosa à estagnação, ao conformismo, ao achar que “é isto, e a vida nada
mais tem para me dar”, e “pronto, agora voltei, voltei a viver debaixo das
saias da mamã, no conforto e no quentinho, não saio mais daqui”. Que
horror!!!!!!
Uma das razões que me levam a escrever isto, entre outras, é o de que
estou farta de depender dos meus pais. Eles fazem, fizeram e fariam tudo por
mim e para me ver feliz, é certo, mas ao mesmo tempo, sinto, muitas mas mesmo
muitas vezes, que por isso mesmo eles me têm sobre controlo, de certa forma
tenho a sensação que lhes devo algo constantemente, sinto que eles acham que
podem tomar parte das minhas decisões precisamente porque me ajudaram a ser o
que sou hoje e a pensar como penso hoje. Mas na realidade, a ideia de continuar
a ser uma menina de sorte e protegida pelos meus pais, por exemplo,
aterroriza-me. Estou a detestar esta dependência, em todos os sentidos, não só
física (essa é a que quero acabar primeiro) como emocional e psicológica. Eu
amo os meus pais, mas depois de ter provado a liberdade e a independência, não
quero outra coisa. Eu amo a minha mãe, mas a voz dela cada vez me irrita mais
sempre que me pergunta se já jantei, o que vou jantar e quando vou jantar; eu
sei que ela o faz apenas por pura preocupação e até me sinto mal por dizer
isto, mas irrita-me! Penso que já tenho idade suficiente para decidir o que vou
jantar, quando vou jantar, e até se vou jantar. Eu amo o meu pai, mas cada vez
me irrita mais que ele quase me proiba de sair de casa à noite; mais uma vez,
sei que é por preocupação e amor, mas eu acho que já tenho idade suficiente
para que não me diga, todos os dias “não quero que saias à noite”. Estas são
coisas pequenas que não têm importância nenhuma, no fundo: eu acabo por jantar
quando quero e não quando a minha mãe diz, e se me apetecer, vou muito bem sair
à noite. Mas estes exemplos pequenos são coisas que se propagam para coisas,
situações e decisões maiores. O que fazer com a minha vida daqui para a frente,
agora que estou a acabar a licenciatura? Eu tenho montes de ideias e planos,
mas sou eu que decido? Claro que não. Segundo os meus pais, eu tenho de fazer
isto, isto e aquilo, assim, por esta ordem, porque é o melhor para mim, porque
eles sabem o que é melhor para mim, e porque assim é que é “bem feito”. E depois ainda me dizem que é para meu bem.
Claro que é, nunca duvidei de que eles apenas querem o meu bem, mas nesta altura
da minha vida, eu quero poder decidir o que é bom ou não para mim. Eu sei que
vou sentir falta, um dia, disto: de ter alguém que me pergunte quando vou
jantar, ou de ter alguém a quem ligar quando tenho um problema que, depois de
tentar resolver sozinha, não consegui (senti muita falta disso quando estive em
Amesterdão, de ter de me “desenmerdar” sozinha quando ainda faltava uma semana
para acabar o mês e o dinheiro já tinha ido todo, mas por uma questão de
orgulho, recusava-me a ligar aos meus pais para pedir mais). Mas por agora,
quero libertar-me disto à força toda! Estou mesmo farta, farta, desta sensação
de ter de depender dos meus pais a nível financeiro (maioritariamente, os
trabalhos que vou arranjando obviamente não dão para subsistir
independentemente a nível completo), cada nota de 10 euros que a minha mãe me
dá é uma facada no coração. Prefiro ficar com fome o dia todo e esperar por
chegar a casa para comer. Prefiro não comprar roupas novas, nada de novo.
Prefiro tudo isso a ter de pedir dinheiro aos meus pais. Dói-me mesmo. Não sei
de onde veio este orgulho todo, dantes não me importava nada, pelo contrário,
quase que exigia uma quantia considerável todas as semanas, agora, isso mudou
completamente, peço só mesmo o mínimo necessário e indispensável à
sobrevivência e é se não conseguir mesmo ganhá-lo de forma autónoma. Eu quero
MESMO perseguir a minha independência, quero MESMO deixar de ter a sensação
constante de que nada é meu , nada realmente foi ganho por mim, e que tive
tanta sorte em muitas coisas por ter os pais que tenho. É como eu digo: eu
amo-os, sei que eles me amam a mim, sei que fizeram tudo por amor, sei que
continuariam a fazer, sei que poderia ficar a viver com a minha mãe até aos 30
e ela nunca se iria importar, pelo contrário, mimava-me. Mas é isto que eu não
quero. É esta liberdade física,
financeira, e emocional, que eu quero, cada vez mais, perseguir e alcançar num
prazo máximo de 2 anos.
Se me vou dar bem? Não sei. Posso dar-me mal e chegar ao fim
do mês sem ter dinheiro para pagar a conta do gás. Mas não é esse o preço da
liberdade? Prefiro ser pobre, ter condições mínimas para viver, ter muito pouco,mas o pouco que tiver, ser meu e ter sido eu a ganhar e a construir, em vez de ter tudo e esse tudo ter sido dado. Como tenho agora, aliás: uma casa fantástica com um andar inteiro só para mim, todas as contas pagas ao fim do mês e de vez em quando umas prendinhas monetárias dos meus pais, mas que no fundo nada é meu. Sim, claro, vou aproveitar as regalias enquanto posso, enquanto estou a estudar, pelo menos na Licenciatura, tenho aproveitado porque sei que um dia farei o mesmo com os meus filhos, mas também sei que um dia eles irão querer libertar-se, e é isso que está a acontecer comigo agora.: eu quero libertar-me porque todas estas regalias, que tenho sempre tido, fazem-me sentir dependente e, de certa forma, até um pouco aproveitadora.
Eu quero mais e mais e mais, a cada dia que passa, ir, sair,
explorar, sair debaixo das asas dos meus pais, correr atrás da minha independência,
bater com a cabeça no chão, cometer erros estúpidos, arrepender-me, cair,
levantar-me de novo, tornar-me numa pessoa mais adulta e melhor.
Quero poder mostrar aos meus pais como me tornei uma pessoa independente, como eles podem contar comigo e com a minha ajuda em vez de ser sempre ao contrário, mostrar que está na hora de retribuir tudo o que fizeram por mim.
Esta foi uma das principais realizações desde que voltei a
Portugal. Nunca tinha pensado desta forma, comecei agora. Considero uma mudança
positiva, uma mudança de pessoa que se transformou e cresceu, e ainda quer
crescer mais.
É como digo: ter voltado não tem de ser necessariamente mau.
Claro que toda a novidade e loucura da vida Erasmus acabou, claro que agora a
minha vida é normal, mas permitiu-me reflectir acerca de como quero que ela
seja daqui para a frente. E, ao contrário do que aconteceu imediatamente a
voltar, agora, sim, tenho umas ideias bem mais claras e até planos de acção bem
definidos. Mas, o mais importante, estou cheinha de vontade e motivação dentro de mim. Estou muito mais focada e empenhada em "moving forward" do que alguma vez estive.
Estas mudanças de forma de pensar manifestam-se em muitos outros aspectos, sobre os quais vou escrevendo, mas neste caso específico eu, pela primeira vez, estou seriamente a considerar "sair de casa". Ou "sair da casca".
Estas mudanças de forma de pensar manifestam-se em muitos outros aspectos, sobre os quais vou escrevendo, mas neste caso específico eu, pela primeira vez, estou seriamente a considerar "sair de casa". Ou "sair da casca".
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