segunda-feira, 8 de setembro de 2014

08092014

Na nossa condição de humanos, buscamos sempre algum tipo de significado. E algum tipo de destino para além daquele que é inevitável. Esquecemo-nos o quão absurdo tudo é. O quão absurdo é, inclusive, pensar e viver segundo o mote de "viver o momento, porque o momento conta". Por ser tão absurdo, em si, acaba por fazer todo o sentido.

Na nossa condição de humanos, resignamo-nos ao simples crer. Um crer, também ele, absurdo. Este crer não tem de necessariamente estar relacionado com religião de qualquer tipo. Pode ser, simplesmente, crer que havemos de ir para um lugar melhor. Que havemos de ser recompensados, por termos sido pessoas boas. Que as coisas boas acontecem às pessoas boas (e vice-versa); assim sendo, vale a pena sermos pessoas boas. Felizes daqueles que acreditam nesta parvoíce. Somos educados a acreditar que o bom pertence aos bons e o mau pertence aos maus. Estes conceitos de bom e mau, certo e errado, tão fixados no tempo e no espaço, tomados como absolutos e inquestionáveis, regem a nossa conduta, as nossas atitudes, a nossa presença no mundo e perante os outros.

Na nossa condição de humanos, estamos limitados a viver sob ilusões funcionais. Nada disto é real, mas julgamos que o é.

Daqui surge o Karma. As correntes de pensamento positivo. As religiões. Os signos do zodíaco e as pseudo-ciências. A própria ciência!... Apenas formas, meios e ferramentas diferentes de atingir um mesmo fim: o de conseguir viver, de forma funcional e inalterável, com a realidade com que nos deparamos; aprendemos e agimos apenas para lhe dar significado.

Tecemos uma teia de mecanismos e estratégias para nos auto-convencermos que estamos aqui com algum propósito, que existe algum propósito fundamental de todo. Tornar previsível o imprevisível, criar relações (completa e provavelmente) ilusórias de causa-efeito, deslindá-las e analisá-las infimamente, criar uma noção de todo, de lógico, de absoluto, de intocável. É assim porque é.

A fé, seja ela num qualquer deus ou numa crença ilusória de que eventualmente iremos receber de volta aquilo que demos, que educamos a nossa alma para "o bem" ou para "o mal" e para que, num outro mundo, numa outra vida, numa outra realidade paralela, possamos obter esse bem ou mal para o qual a nossa alma foi educada. Aquilo que, no fundo, merecemos.

Não obstante, e como em tudo na vida (nesta vida...), há que não só olhar, mas ver, todas as realidades tomadas por certas, sob um prisma mais crítico. (Nem tudo é explicável, nem tudo é inexplicável). O acreditar e viver como se uma realidade desejada fosse, de facto, uma realidade vivida, é não só funcional, como pode ter o seu fundo de verdade. (mas, afinal, o que é isto que entendemos como verdade?!)

É, assim, um acreditar consciente e racional em algo que se acredita ser real mas que só é real porque se acredita, e porque existe alguém para acreditar. existe realmente. Confuso? Complexo? Talvez.

Somos assim, na nossa condição de meros humanos, confusos e complexos, ou por outro lado, tão simples e primitivos e animalescos, que até o acto mais desinteressado e altruísta está impregnado de "eu" e "ego" e é motivado e movido pela necessidade humana de dar significado ao que não o tem.

A consciência desta realidade - ou de realidades dentro de realidades - é uma experiência complexa, dolorosa e paradoxal. Simultaneamente causa euforia e apatia, realização e frustração, plenitude e uma falta-de-tudo. Sobretudo, de chão.

E, no entanto, somos felizes (alguns de nós, pelo menos). Os esforços investidos em dar significado ao insignificável, não são em vão - por alguma razão eles existem.

Dizem que o saber - não no sentido de saber coisas, conceitos ou matérias em concreto, mas sim o saber de ter consciência, o de "saber que não sabe, mas querer saber" - é oposto à felicidade. Ao longo da minha vida observo paradoxos vivos desta ideia. Eu própria sou um paradoxo disto mesmo. De tudo o que escrevi acima.

Sou feliz. Por vezes - na maioria das vezes - dolorosamente feliz.