sábado, 23 de setembro de 2017

O fantasma e a angústia de querer ser única no mundo

Desde bem jovem me lembro de me questionar. Felizmente, fui bastante estimulada durante a minha infância e adolescência, a pensar pela minha cabeça, a ter pensamento crítico, os meus pais investiram (de formas diferentes, mas investiram) MUITO na minha educação e considero que essa é uma das minhas maiores armas. Só lhes tenho a agradecer!

Até terminar o ensino secundário, sempre frequentei o ensino privado. Andei em colégios privados, sendo que o que me marcou mais foi, claro, aquele onde passei 8 anos, do 5º ao 12º. Um colégio católico que impingia que todos fôssemos "santos" e nos obrigava a ir à missa e "confessar pecados"; lembro-me de com 14 anos de idade o padre me perguntar que pecados eu tinha cometido e eu nem sabia responder. Eu sabia lá o que era um pecado! Eu queria lá ser santa! Eu detestava aquilo. Foi isso que acabou por me afastar mais da igreja, mais de "deus", ou como queiram chamar essa energia superior, essa sim que sei e acredito que existe. Mas a forma como retratavam tudo aquilo, nada me fazia sentido.

Era um colégio privado composto 98% por meninos nascidos em berços de ouro. Eu pertencia aos outros 2%. Sei que o meu pai se matou a trabalhar para me poder proporcionar aquilo. E eu sou MUITO GRATA por isso. Muito! Espero um dia poder retribuir ao universo, dando o mesmo ou melhor aos meus filhos.

Nunca me faltou nada, mas também não tinha as roupas de marca que me permitia ser "popular" naquele meio, altamente segregado pelo poder de compra dos pais. Sofri muito bullying. Superei. Não fiquei traumatizada. E hoje em dia compreendo que a "culpa" não era dos "meninos de bem" que gozavam, mas sim da educação péssima que recebiam em casa. Sofri bullying e fui excluída sim mas, felizmente, não me educaram nessa de me achar melhor que os outros por ter uma camisola da Gap ou uma mochila da Eastpak (por acaso tive uma dessas, mas era um luxo!).

Já na minha adolescência (por volta dos 15 anos), mudei de casa e conheci aquele que seria o meu primeiro namorado a sério. Vindo de uma família totalmente diferente, com valores e educação muito diferentes, conheci outras realidades. Comecei a fazer coisas que ainda hoje faço e que talvez não sejam as melhores, mas, foi aí também que comecei a abrir a minha mente. A sair daquela bolha que esse tipo de meios (colégios) criam e enfrentar o mundo real e as angústias de ser um ser humano. Com muitas interrogações, muitos questionamentos, muita falta de certeza em tudo.

E lembro-me de desde essa altura, começar a escrever. Nos meus altos momentos de inspiração induzida, acabei por descobrir que uma das minhas maiores angústias era não ser ninguém num planeta tão grande e no meio de tanta gente que, por ser única, acaba por ser igual.



Exactamente. O grande paradoxo da minha vida - começou aos 15, com o passar dos anos foi atenuando, mas hoje com 27 confesso que é um FANTASMA que ainda me assombra - é esta conclusão a que cheguei bastante cedo na vida:

Somos todos únicos e irrepetíveis, mas por toda a gente ser única e irrepetível, somos, no fundo, apenas "Mais um único e irrepetível". O que não nos torna diferentes, mas sim, exactamente IGUAIS.

Parece complicado? Altamente paradoxal? E é. E ter este tipo de questionamentos e, sobretudo, chegar a esta conclusão, moldou muito quem sou, as escolhas que fiz, como vivo a minha vida hoje em dia.

Eu não tenho problema nenhum em admitir que tenho uma enorme necessidade de reconhecimento e validação. Eu gosto de mim e gosto ainda mais que gostem de mim. Reconhecerem-me, admirarem-me, validarem-me. Seja por ter Leão como signo ascendente (quem percebe de astrologia, saberá ao que me refiro), seja por experiências de infância, seja por ser filha única, seja por ter sido sempre mimada, seja pelo que for... Assim sou, preciso de saber que eu faço sentido na minha existência. Se não fizer sentido, nada faz, nem a vida.

E sobretudo, comigo mesma. Preciso validar-me a mim mesma, constantemente. Por ser assim, acabei por me tornar numa overachiever.

O que é isto? É exigir de mim mais do que aquilo que se calhar consigo fazer. Mas eu meto na cabeça que tenho de conseguir fazer. Com os meus picos de POC, faço listas para tudo e não descanso enquanto não conseguir. Raramento penso "faço amanhã" ou "faço depois". Quando consigo, é uma sensação de satisfação IMENSA. Eu não penso nisto conscientemente na altura, mas o que eu sinto é "consegui, sou a maior".

E se não conseguir, já não sou a maior.

Eu vivo refém desta minha síndrome de nunca estar satisfeita e querer sempre mais e mais. Mas este querer mais e mais vem tudo daquela minha "conclusão" a que cheguei aos 15 anos: por mais que faça, não serei ninguém, nunca saberei tudo, nunca conquistarei tudo... Mas a gratificação imediata de ter conseguido tudo naquele meu universo, naquele momento, it's what keeps me going.

É um condicionamento que tenho: primeiro trabalho, depois lazer. Ao ponto de quase nem conseguir desfrutar o lazer se sei que não fiz algo que tinha planeado para esse dia. Se atirar tudo para o ar e disser "fuck it!", e desperdiçar um dia a não fazer nada, na minha cabeça é isso mesmo: desperdiçar um dia. A menos que eu já tenha planeado que aquele dia em específico era mesmo para desperdiçar.

Lembro-me perfeitamente de andar na escola primária e, quando chegava das aulas, querer ver o "Batatoon". E a minha mãe dizia sempre: primeiro fazes os trabalhos de casa, depois vês o Batatoon e brincas o que quiseres. Isso ficou tão enraízado que começou a ser uma regra que primeiramente ela me tinha imposto, e depois eu me tinha imposto a mim mesma.

Hoje em dia, mais de 20 anos depois, essa regra mantém-se.

E eu orgulho-me tanto ser ser hiper produtiva e raramente procrastinar, que quando o faço, é um sentimento de culpa que me invade.

No outro dia dizia para o meu namorado:
"ainda não estou onde queria estar com 27 anos"

E ele responde:

- "quase ninguém está onde quer estar com a idade que tem; muito menos aos 27 anos" (ou algo assim). 

E eu respondi: 

- "mas eu não sou as outras pessoas, eu faço muito mais e para o nível de produtividade que eu tenho, já queria ter mais feito"

E ele responde:

-"olha que não há muita gente que aos 27 anos tenha tido a coragem de abrir uma empresa".

Bang! Ali estava, a validação. A frase que me fez sorrir. "Olha que não é toda a gente".

Porque este é o cerne de tudo isto, se formos a ver.

Eu sempre quis ser MAIS do que mais uma. Sempre tive esta necessidade imensa de criar, de deixar uma marca só minha no mundo. Dar sentido à minha existência. Tudo o que eu faço, tem como objetivo primário esse mesmo - mesmo que não seja, e na maior parte das vezes não é, consciente. Eu escrevi e publiquei um livro de poemas meus, aos 16 anos. Era meu! Eu quis criar uma empresa que fazia algo que ainda não tinha sido feito (e na altura em que nasceu o projeto, que não era suposto ser uma empresa 8 anos mais tarde), porque era meu. Era uma coisa criada por mim. Com o meu nome na "etiqueta". E todos os projetos que idealizo, têm sempre uma pontinha de ter "a minha assinatura".

Sou muito independente, e orgulhosa. Detesto depender de alguém. Destesto ter de depender de alguém. Não só em termos monetários, mas em termos de ESPERAR. Esperar que pessoa X faça isto, que entidade Y faça aquilo, que pessoa Z me envie aquilo. Detesto sentir-me presa em avançar com a MINHA vida por estar à espera que os OUTROS façam algo. Detesto falta de controlo.

Aprendi que nem sempre é possível ter tudo sobre controlo ou ser totalmente independente; é uma utopia, que ainda tenho na minha mente, é difícil destruir. É uma enorme frustração com a qual tenho de lidar. Mas quando isso acontece, rapidamente percebo que não posso mais viver nesse estado de dependência - para isso já basta a dependência que tenho da minha auto-validação - e entro outra vez naquela espiral: o que é que EU posso fazer agora, o que MAIS posso fazer eu agora?  às vezes, muitas vezes, a resposta é "nada". E vêm as vozes da sabedoria... dos imensos vídeos de inspiração que vejo (adoro!): paciência é uma virtude. 

Pois é! E eu adoraria ter mais paciência, aliás, é um trabalho que estou a fazer, há ANOS, e que vai continuar ainda por mais ANOS, é controlar esta minha urgência de viver, de querer tudo para ontem, e mais e mais e mais, e aos 27 eu já queria era ser milionária ou pelo menos não ter de contar os trocos para pagar as contas, porque para o meu nível de produtividade, eu meti na minha cabeça, que assim é que deveria ser.

E eu já estou a pensar, no que posso fazer a seguir. O que posso aprender a seguir. O que posso fazer a seguir para que aquilo seja meu, e não igual a tantos outros.

E ainda assim, por mais que eu tente criar, que tente ser única por coisas positivas, que tente destacar-me, que seja completamente eu e só eu e só dependente de mim, o fantasma do "não vale a pena, és só mais uma" assombra-me. E todo aquele pensamento positivo que geralmente (thank god!) até tenho, de "todos somos únicos, eu também sou" desvanece-se, porque penso "oh, mas aquela pessoa também é. E esta também. E esta que faz instastories também. E esta blogger também. E a minha amiga também." (sim, porque com a emergência das redes sociais, isto tudo intensificou-se, claro; por mais que não queiramos comparar-nos aos outros, come on, let's be brutally honest - quem nunca o fez?!). 

Todos são, então todos acabam por ser, eu incluída, mais um no pacote.

Daqui a 200 anos ninguém vai saber quem eu era. Mas eu queria que soubessem. Eu queria imortalizar a minha vivência. Eu não queria ser apenas mais uma.

Mas sou. E essa é a realidade da vida a dar-nos uma chapadona na cara!

O meu trabalho interior (entre muitos outros) agora é aceitar isso, e não lutar contra isso.

1 comentário:

Marta Moura disse...

Que te mantenhas fiel a ti própria a fazer o que queres, isso parece-me ser o mais importante. O quando não é tão importante assim.