quinta-feira, 10 de março de 2011

Caim, José Saramago I

De facto, só viria a aparecer muito mais tarde, em data de que não ficou registo, para expulsar o infeliz casal do jardim do edén, pelo crime nefando de terem comido o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Este episódio, que deu origem à primeira definição de um até ai ignorado pecado original, nunca ficou bem explicado. Em primeiro lugar, mesmo a inteligência mais rudimentar não teria qualquer dificuldade em compreender que estar informado sempre será preferível a desconhecer, normente em matérias tão delicadas como são estas do bem e do mal, nas quais qualquer um se arrisca, sem dar por isso, a uma condenação eterna no inferno que até então ainda estava por inventar. Em segundo lugar, brada aos céus a imprevidência do senhor, que se realmente não queria que lhe comessem do tal fruto, remédio fácil teria, bastaria não ter plantado a árvore, ou ir pô-la noutro sítio, ou rodeá-la por uma cerca de arame farpado. E, em terceiro lugar, não foi por terem desobedecido à ordem de deus que adão e eva descobriram que estavam nus. Nuzinhos, em pelota extrema, já eles andavam quando iam para a cama, e se o senhor nunca havia então reparado em tão evidente falta de pudor, a culpa era da cegueira do progenitor, a tal, pelos vistos incurável, que nos impede de ver que os nossos filhos, no fim de contas, são tão bons ou tão maus como os demais.

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