sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Viagem do Elefante, José Saramago V - Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.



Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas orfãs de fechadura ou que nunca a tiveram (…) Apesar de toda a crítica que sobre ele se vem fazendo, o mundo vai descobrindo em cada dia maneiras de ir funcionando tant bien que mal, permita-se-nos esta pequena homenagem à cultura francesa, a prova é que quando as coisas boas não sucedem por si mesmas na realidade, a livre imaginação dá uma ajuda à composição equilibrada do quadro.

(…) Realmente, o maior desrespeito à realidade (…) que se poderá cometer quando nos dedicamos ao inútil trabalho de descrever uma paisagem, é ter de fazê-lo com palavras que não são nossas, que nunca foram nossas, repare-se, palavras que já correram milhões de páginas e de bocas antes que chegasse a  nossa vez de as utilizar, palavras cansadas, exaustas de tanto passarem de mão em mão e deixarem em cada uma parte da sua substância vital.

Contam-se muitas coisas e nem todas serão certas, mas o ser humano foi desta maneira feito, tão capaz de crer que o pêlo de elefante, depois de um processo de maceração, faz crescer o cabelo, como de imaginar que leva dentro de si uma luz única que o conduzirá pelos caminhos da vida, incluindo os desfiladeiros. De uma maneira ou de outra, dizia o sábio, sempre teremos de morrer.

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